quarta-feira, 11 de maio de 2011

Visitas aos presos

Esta é uma antiga reportagem sobre visitas aos presos , publicado pelo Diário do Nordeste

Filhos e maridos presos impõem uma rotina de humilhação e cansaço àqueles que não os abandonam
FOTO: THIAGO GASPAR

Sem direito a um local adequado para matar a saudade dos familiares, mulheres são humilhadas nas filas

O preceito bíblico que recomenda visitar os encarcerados é seguido ao pé da letra pelas mães e mulheres dos 14.500 detentos que formam a população carcerária do Ceará. Nos dias de visita, quartas-feiras e domingos, a movimentação no entorno das prisões, que se encontram superlotadas, começa logo cedo. Alguns dormem no local, em alpendres de alvenaria coberto de telhas, que ficam na parte externa dos presídios e das cadeias.

Nos presídios masculinos, a movimentação é maior do que no feminino. Companheiras, mães, jovens, idosas e grávidas, trocam o domingo de lazer para visitar filhos, maridos, sobrinhos ou um amigo. Guardas que fazem a segurança, garantem que garotas de programa também aproveitam para arriscar uma paquera. Muitas mulheres chegam de madrugada ou no dia anterior, na tentativa de garantir ficar o mais tempo possível com o detento.

As filas são enormes. "Tem entre 600 e 700 pessoas", arbitra um dos seguranças da Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL-I), em Itaitinga, localizada próxima ao Instituto Professor Paulo Olavo Oliveira (IPPOO-II), onde outro grupo de mulheres, bem menor do que na CPPL-I, espera na fila a hora de entrar. Do lado de fora, outra movimentação. Desta vez, comerciantes que vendem refrigerantes e bolachas, principais produtos levados pelas famílias aos detentos.

As duas unidades oferecem espaços para abrigar os familiares que pernoitam naqueles locais. Somente as mulheres podem entrar nos presídios todos os domingos e quarta-feiras. A visita dos homens é permitida no primeiro sábado de cada mês, e, as crianças, no primeiro domingo do mês. A lei é rígida. Quem entra não pode mais sair.

Sob sol forte, mulheres se aglomeram, entre sacolas, esperando pelo momento de entrarem e serem revistadas. Elas não gostam da revista e nem da forma como são tratadas pelos agentes. Tudo que tem na sacola é minuciosamente vistoriado, assim como os seus próprios corpos. Aliás, a vistoria é considerada "humilhante" pelas mulheres.

Elas reclamam, ainda, da demora na fila e da falta de respeito. "Se a gente responder, a visita é suspensa", reclama M. L.R, 41 anos, do Bom Jardim. Um dos principais temores das mulheres é a identificação. "A gente nunca sabe, pode prejudicar eles", teme. O drama de M.L.R. é duplo. "Chego no sábado à noite porque faço duas visitas", diz, explicando que há um ano o marido está preso, depois, foi o filho, há oito meses detido. "A humilhação é grande na hora da vistoria. A gente fica nua do jeito que veio ao mundo, depois, olham as nossas partes. A gente suporta porque é o jeito".

O que se percebe é que o silêncio passa a ser um dos principais códigos nas instituições prisionais, onde a palavra de ordem, quer de quem está dentro ou mantém alguma relação com o local, é calar. Paradoxalmente, o silêncio passa a ser uma forma de comunicação ou uma linguagem. Assim, é possível manter "a política da boa vizinhança", como garante.

"O melhor é ouvir tudo calada. Se falar, a visita é suspensa. Quem quer ter prejuízo?", Indaga. Os prejuízos seriam afetivos e financeiros, uma vez que não veria o filho ou o marido. "Seria dinheiro gasto em vão", argumenta, afirmando que quem não dispõe de, no mínimo, R$ 20,00, nem pode pensar em visitar um detento. "Mas muitas vezes, a gente está estressada e responde", confessa Ana, 30 anos, residente no Jangurussu.

O tempo da visita é considerado curto. "Deixam a gente entrar às 2h ou mais (14) e quando dá quatro horas a gente tem que sair, se não, perde a próxima visita. Quem quer arriscar?, diz Valdiana, 18 anos, visita o marido de 27 anos e garante: "É muito humilhante a revista. Não é porque a gente tem marido presidiário que não merece ser respeitada", desabafa, explicando que "eles já estão pagando pelo que fizeram".

Organizar a fila

O sol é forte. Por volta das 10h, o movimento é intenso e as mulheres vão perdendo a paciência com uma espera que, para algumas, começou no dia anterior. Na CPPL -I, são formadas quatro fileiras de mulheres entre idosas, grávidas, portando sacolas e aquelas que não levam nada. De vez em quando, o segurança grita: "pode entrar mais cinco".

A correria é grande, mas logo vem a repreensão: "Vamos organizar a fila. Se correr, vai voltar", ameaça o segurança que, naquele momento, é a autoridade maior do local, cabendo a ele permitir ou não a entrada daquelas mulheres, muitas, na fila desde o dia anterior.

Difícil é distinguir o sentimento de cada uma das mulheres, naquele momento. É um misto de alegria, desejo, tristeza, saudade e resignação. São mães, namoradas, esposas, provando que a mulher não abandona os companheiros ou os filhos. No presídio Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, o movimento é bem menor.

Fique por Dentro
Visitas virtuais

André Luiz Cunha, diretor de Políticas do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, considera as visitas aos presos de "extrema necessidade" e fazem parte do o processo de ressocialização. "Não fomos feitos para estar presos. É a negação da natureza humana". Com relação às visitas íntimas, em muitas partes do mundo, elas não existem. No Brasil, a orientação sexual do detento deve ser respeitada. "O homem abandona a mulher quando ela é presa", revela, considerando a visita íntima "pertinente e necessária", mas que e deve ser concedida mediante regras claras.

Uma demonstração de que as visitas são fundamentais para a manutenção dos laços sociais entre os presidiários e seus familiares, é a utilização das visitas virtuais, nos presídios federais. O objetivo é possibilitar a aproximação entre os familiares que tenham parentes presos que morem em outros estados e não tenham condições de deslocamento. "Hoje a visita virtual é uma realidade nos presídios federais", diz, explicando que são utilizados recursos de som e imagem através da internet.

Os recursos tecnológicos servem para suprir, um pouco, a saudade, amenizando o distanciamento. "Elas são positivas", analisa. As visitas nos presídios federais são regulamentadas por normas da Portaria do Depen Nº 122, de 19 de setembro de 2007. A garantia para as visitas íntimas nos estes estabelecimentos está prevista na portaria nº 1.190, de 19 de junho de 2008.

"A gente se conheceu na Delegacia de Capturas"

Alto, corpo bem definido, pele branca, tatuagem discreta no braço, sempre com um sorriso no rosto e desembaraçado. Nem mesmo quando o assunto é afetividade, Esoj, 23 anos, largou os estudos no 8º ano do Ensino Fundamental, pai de uma filha de seis anos, demonstra timidez. Discurso bem articulado, fala da relação com a namorada Sophia, 32 anos, mãe de uma menina de nove, com quem vai se casar, no presídio. "Pedi ela em casamento e ela aceitou", diz com a segurança que só os apaixonados conhecem tão bem.

O jovem, que se encontra há nove meses no IPPOO-II cumprindo penas de seis anos, por assalto, define a relação como de "amor à primeira vista". E conta como foi o primeiro encontro: "A gente se conheceu na Delegacia de Capturas onde ela estava presa também". Lembra que os dois conversavam muito e descobriram várias afinidades. "Depois... nós ficamos... Acredito que está dando certo porque estamos até hoje. Acho que a gente se ama", reitera. O começo da relação foi difícil, apontando a falta de contato como o principal problema. Mesmo estando separados por poucos metros, passaram um mês sem ter nenhum contato.

"Senti muita saudade e cheguei a enviar uma carta para o presídio feminino", conta o rapaz. Antes de fazer o cadastro comprovando união estável, os encontros entre detentos não são possíveis. Agora, podem se encontrar, quinzenalmente, e não se comunicam mais através de cartas ou uma visita rápida no presídio.

A amada vai ao encontro do jovem que considera a visita, "o melhor momento" na vida de um presidiário. Apesar das limitações do ambiente carcerário, o jovem garante "há um respeito muito grande por parte dos companheiros. É sagrado. Ninguém olha para a mulher do outro. Se olhar, tem confusão". O ciúme é inevitável, assim como a troca de parceiros. "Fiquei duas vezes com uma garota, a minha namorada descobriu, e quis terminar", confessa.

CIÚMES E BRIGAS
Distância não evita estresse

"As minhas lágrimas são como as de muitas outras mães que também estão aqui", emociona-se Francisca Mary Saboia, 45 anos, inconformada com a prisão do filho de 23 anos pelo furto de um aparelho celular para comprar droga. "Ele é doente (viciado), precisa de tratamento, não de prisão", diz entre lágrimas. São muitos jovens que estão em situação semelhante.

"Sou revoltada e estou cansada de procurar pela Justiça que só existe para os ricos, ela não está do lado dos pobres". Conta que, até hoje a situação do seu filho está pendente, fazendo com que a visita à prisão virasse uma rotina. "A gente passa a semana trabalhando e quando sai daqui está esgotada", reclama. O pior é que as mães são as últimas a entrar.

"Sem contar com a humilhação que o meu filho passa". A cadeia está superlotada e a maioria são jovens", diz, afirmação comprovada pelos números da Coordenadoria do Sistema Penitenciário, como revela o titular, Bento Laurindo. "Cerca de 70% da população carcerária do Ceará é formada por jovens entre 18 e 25 anos". Lamenta o filho ter parado de estudar. "O resultado é ele sair pior porque está misturado com outros presos". O dilema de muitas mães que estão na fila é o temor quanto à saída do filho. "Se sair, é morto", diz.

Muitas mulheres passam mal devido ao sol. Francisca da Silva Ferreira, 48 anos, confessa que não tem condições de ir ao presídio todos os domingos. "Venho só de 15 em 15 dias". Ela reclama dos poucos agentes que estão trabalhando, deixando a vistoria ainda mais lenta. "A gente tira tudo. É muito humilhação". Não tem água para a gente beber e nem um local para a sentar. Quem não aguentar ficar de pé, o jeito é sentar no chão.

"A gente é tratada como cachorro. Mandam a gente a se abaixar, tossir, fazer força até parece que a gente vai ter nenê e assanham o nosso cabelo". Eles (os agentes) deveriam chegar cedo, reclamando que os portões só são abertos às 9h.

Discussões

"É muita humilhação que a gente suporta. Desde palavras, terminando com a vistoria, mas o melhor é ficar calada". Mesmo assim, Karla, 30 anos, suporta essa rotina por sete anos. "Só aguento porque marido, é marido", diz, afirmando que "tem gente que vem procurar namorado aqui".

A demora na fila e o rigor na vistoria deixam as mulheres estressadas e cansadas. "Muitas vezes, a visita termina em briga". Considera que difícil manter uma relação com um presidiário. "O dinheiro é curto a gente tem trabalhar também. É preciso equilíbrio".

IRACEMA SALES
Repórter


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário. Este é um espaço livre!