terça-feira, 19 de abril de 2011

O Jornalismo Comunitário

Ontem escrevi sob a dificuldade de comunicação do PT . Hoje faço um relato das dificuldades e êxitos da comunicação nas Associações de Moradores.




O Jornalismo Comunitário, JC, reproduziu na sua comunicação as mesmas práticas adotadas em movimentos mais antigos como Movimento Estudantil e o Movimento Sindical . Desta forma usavam os boletins, jornais murais, jornais copiados em duplicadoras a álcool, produzidos em mimeógrafo e até impressos em gráficas.

O JC era a principal ferramenta de comunicação entre os militantes das associações de moradores, AM, e o público em geral. A pauta destes jornais era invariavelmente reativa, pois cobria fatos acontecidos como a retirada de uma linha de ônibus, o vazamento de esgoto , a falta de água, etc.

A definição da pauta e a consequente redação dos temas, sofria invariavelmente do amadorismo e do voluntarismo da direção e militantes da organização. Não raro, as AM abrigavam pessoas que militavam em organizações extintas pela Ditadura Militar, como sindicatos, DCE, partidos políticos. E claro, carreavam para a modesta AM toda carga de atuação política reprimida, procurando repercutir no bairro , contornos do seu entendimento da política nacional.

A falta de saneamento era um bom motivo para atacar o FMI e a proibição de investimentos em políticas públicas. Claro que no interior das AM os embates eram inevitáveis e as vezes incontornáveis, devido as divergências políticas de posições anteriores, com não raro acusações pessoais quanto posicionamento político de cada um. Estas polêmicas atrasavam a edição do material de comunicação e até inviabilizavam.

As dificuldades para a produção do material, mesmo em baixa tiragem, era outro desafio, e quase sempre defasavam as publicações. Tomando se por base os meados da década de 70, podemos fazer as seguintes comparações : o computador de hoje, no passado era a máquina de escrever, as primeiras manuais e logo após as elétricas, as atuais impressoras , eram no passado as raríssimas e caras “XEROX”.

Fotos uma outra dificuldade, hoje qualquer criança tem uma máquina digital plugada ao seu computador, mas no passado, máquinas como Yashica, Pentax, ou mesmo uma simples Kodac, eram todas importadas e quase inacessíveis. Claro que poderiam usar filmes PB ou colorido, mas este sem qualquer utilidade prática, pois não possuíamos impressão em policromia. Soma-se a dificuldade dos laboratórios de revelação fotográfica, que chegavam a levar quatro dias para entrega das cópias dos filmes.

Assim, vencidas as etapas do conteúdo e da impressão, o material ainda encontraria problemas na distribuição, o número de exemplares era sempre maior que a capacidade de distribuição dos militantes da AM.

A linguagem sempre impactava, pois retratava os problemas do cotidiano das pessoas, e assim conseguia atrair a atenção da maioria dos moradores cumprindo o seu papel. Não raro, o povo achava que o jornal deveria ser mais contundente, esquecendo-se que todas as responsabilidades pelo publicado recairia sobre os diretores das AM que eram uma instituição legal, registrada em cartório, com CNPJ e perfeitamente identificada.

As diversas versões da comunicação eram realizadas conforme a disponibilidade da Infraestrutura, tomada principalmente de instituições públicas. Se o “jornalzinho “da AM foi confeccionado na duplicadora a álcool Facit, era porque uma professora conseguia rodar na sua escola. Se impresso em mimeógrafo , algum sindicato ou entidade de classe ajudava na tarefa.

Em algumas vezes , ocorria matrizes eram produzidas e não batiam com os modelos das máquinas disponíveis. Ou durante a impressão, a película rompia, obrigando a confecção de nova matriz.

Nos jornais impressos em gráfica ou rotativa de jornal, sempre em tamanho tablóide ou standards de uma única folha, a dificuldade era sempre econômica, que melhorou muito após a ampliação do parque gráfico no início da década de 80, com novas rotativas e máquinas off-set, tornando acessível o custo das publicações.

Mesmo assim tínhamos problemas com a composição, ainda feita no chumbo das linotipos. As “bonecas” versão final do jornal antes da impressão, ganhou uma grande ajuda na forma da cola em bastão, a cola Pritt. As cores surgiram, mas a sua diversidade ficava condicionada a um “stencil” para cada cor, da mesma forma que em offset, uma chapa para cada versão, e nos dois casos, significava uma rodagem a mais. Assim um jornal com tiragem de dois mil exemplares e três cores, iria totalizar seis mil impressões. O custo final era proibitivo.

Vale um parênteses nesta narrativa, para ressaltar a reciclagem das chapas radiográficas, que serviam como matriz de cartazes, após serem recortadas por mãos habilidosas e estiletes afiados. Mais tarde, papeis seriam impressos com tinta PVC, usadas em paredes, aplicando-se um rolo de pintura quase seco de tinta. Neste sistema até faixas eram impressas em morim, quando imensas máscaras a partir das chapas de RX eram montadas.

Neste aprendizado, experientes gráficos e competentes artes finalistas , compensavam a falta de recursos para impressão a cores com o uso das retículas. Muitos jornais, obtinham uma forma impar, graças a este recurso. A diagramação com isso ocupava o seu lugar, projetando novas concepções nos jornais comunitários.

A publicidade inexistia, a menos que uma padaria, açougue, etc. sem qualquer interesse comercial, dava uma força, com anúncios em pé de página. Da mesma forma raramente eram vendidos, pois o público tinha uma visão bem distante da finalidade dos periódicos de sua AM e não

faziam a ponte entre os problemas da comunidade, as suas lutas e as necessidades de comunicação.

Outro fator era um certo descompasso de quem escrevia o jornal e seu público final. Numa oportunidade, a luta da AMIGA, Assoc. de Moradores do Ingá, Niterói, RJ, em favor da preservação do Palácio do Ingá, após a fusão e a consequente transferência da sede do Governo do Antigo Estado do Rio de Janeiro para o ex-estado da Guanabara, estampava na manchete do seu jornal tablóide: AMIGA NA LUTA PELO TOMBAMENTO DO PALÁCIO DO INGÁ. Uma senhora , vizinha e moradora no Morro do Palácio, após ler o jornal, dirige-se com muito jeitinho a um barbudinho militante da AM e pergunta. - Meu querido eu conheço a sua luta e confio em vocês, mas vocês acham mesmo que tem que derrubar este lindo palácio ?

Abr/11.cemusa

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