terça-feira, 28 de setembro de 2010

Vitória sem maioria qualificada cria desafios para Chávez

27/09/2010 - 05:58 | Breno Altman | Caracas / Ópera Mundi
Vitória sem maioria qualificada cria desafios para Chávez

O PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela) tem bons motivos para comemorar os resultados eleitorais de ontem (26/09). Os socialistas conquistaram, até o momento, 95 das 165 cadeiras da Assembléia Nacional. A oposição de direita, coligada na MUD (Mesa de Unidade Democrática), chegou a 61 assentos. Outras duas vagas ficaram com o PPT (Partido Pátria para Todos), que recentemente rompeu com o governo. Ainda há sete vagas indefinidas.

Nas próximas horas o quadro eleitoral estará completo. Mas é fato que o PSUV, se excetuarmos a última legislatura, para a qual a oposição sequer concorreu, conquistou maioria inédita na história parlamentar do país. Além disso, foi vitorioso em 17 dos 24 estados, perdeu em apenas cinco e empatou em outros dois. Tudo isso em um cenário de grave crise econômica, marcada pela inflação e a redução da atividade produtiva. Não é pouca coisa.

Quase 67% dos 17,5 milhões de eleitores registrados foram às urnas, apesar do voto ser facultativo. Mesmo os oposicionistas mais ferozes, ainda que criticando o sistema eleitoral baseado no voto distrital misto, reconheceram a lisura do pleito. Mais de uma centena de observadores internacionais também deram seu aval. O presidente Hugo Chávez, como bônus adicional a seu triunfo, acabou por ver chancelado o caráter democrático do processo que lidera.

Mas nem tudo são flores para o chavismo. Primeiro, porque não conseguiu alcançar o objetivo que se propunha, o de obter maioria qualificada (110 cadeiras) no parlamento. Qualquer mudança constitucional, a partir de agora, terá que ser negociada ao menos com parte da oposição. O mesmo vale para a nomeação de alto mando do poder judiciário e outras instituições.

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Segundo, porque sua vitória em número de cadeiras legislativas não representa sólida vantagem na quantidade total dos votos nacionais: o país praticamente se dividiu entre situação e oposição, com uma ligeira dianteira do oficialismo. Claro que não se pode projetar essa aritmética para as eleições presidenciais de 2012, o que não reduz a preocupação nas fileiras governistas.

Por fim, os socialistas sofreram golpes duros em estados que concentram grandes contingentes populacionais e que são estratégicos na produção de riquezas, como é o caso de Zulia. Nessa província, a oposição levou 12 das 15 vagas em disputa. O consolo, insuficiente, ficou por conta do Distrito Capital, no qual o PSUV amealhou sete das dez cadeiras disponíveis.

Novos desafios

O novo ambiente certamente impõe desafios para Hugo Chávez. Nos últimos cinco anos, graças ao boicote promovido pela oposição, o presidente pode operar a Assembléia Nacional como um braço do governo. Ainda que cumprisse todos os ritos e processos legais, tinha a segurança do alinhamento automático. Essa fase provavelmente chegou a seu final.

A vida parlamentar, tornada mais plural, obrigará os socialistas a fazer política de outro jeito, buscando dividir as correntes oposicionistas e eventualmente atrair nacos dessas frações para acordos pontuais, quando for necessário formar maioria constitucional. Esse molejo nas articulações pode ser indispensável não somente para a aprovação de leis e nomeações, como também para impedir que a oposição se apresente como um bloco unido na próxima disputa presidencial.

Não será apenas no terreno das manobras parlamentares, entretanto, que Chávez e os socialistas terão que mostrar serviço. Milhões de venezuelanos, eleitores de primeira hora do presidente, ultrapassaram a linha da miséria nos últimos dez anos. Elevados à condição de uma nova classe média, não se contentam com os poderosos planos sociais que dão a marca da gestão chavista. Ambicionam empregos melhores, prosperidade e consumo. A estabilidade e o desenvolvimento da economia passam, assim, a ter papel ainda mais relevante.

Alguns analistas chegam a afirmar que o presidente deveria repensar o “guevarismo” como estratégia de ação. Tal conceito abriga a consideração de que Chávez tende a considerar possível resolver quase todos os problemas com base na vontade militante. Essa lógica o levaria a abrir várias frentes simultâneas, nacionais e internacionais, muitas vezes estressando sua própria base de apoio, que pode estar se cansando da prioridade à luta político-ideológica.

O resultado das urnas para a Assembleia Nacional talvez conduza o presidente a focar sua intervenção nas questões cruciais referentes ao trabalho, à renda e às condições de vida dos venezuelanos. Chávez fez uma revolução social em seu país, criando um modelo potente para a distribuição da riqueza e o combate à pobreza extrema. Nisso reside sua fortaleza eleitoral. Mas ainda não conseguiu dar cabo de construir um modelo econômico que permita a Venezuela um ciclo longo e sustentável de crescimento, capaz de financiar novos avanços distributivos.

O presidente não foi ao palanque de Miraflores na madrugada dessa segunda-feira comemorar a vitória socialista. Delegou essa tarefa à direção do PSUV. Muitos estão curiosos por saber o que dirá a seus seguidores e compatriotas nos próximos dias. Não resta dúvidas, afinal, de que o cenário venezuelano sofreu importantes mudanças nas últimas horas.

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